LÍNGUA PORTUGUESA I


O texto, a seguir, é uma resenha do curta metragem de animação gráfica “Vida Maria” (2006), escrita por Márcia Regina Pires (2015). Analise-o:

 

(1) Vida Maria

(2) (Vida Maria). Brasil, 2006. Produção Joelma Ramos. Produção Executiva Isabela Veras. Roteiro, Computação Gráfica, Vozes Márcio Ramos.

(3) O analfabetismo ainda é um dos grandes problemas enfrentados em nosso país, e na região nordeste, ele é ainda mais agravante. O último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizado em 2010, revelou que 59,1% da população do Nordeste de 10 anos ou mais de idade é considerado sem instrução e com ensino fundamental incompleto (14,3 pontos a mais se compararmos o menor índice desta população específica no país – o Sudeste com 44,8%). Em 2011, o Brasil ficou no 88º lugar no ranking da educação da Unesco. Coerente com esse cenário, em 2014, esta instituição, no relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, divulgou que o Brasil é o 8º país com maior número de analfabetos adultos.

(4) O filme “Vida Maria” foi ganhador, em 2006, do 3º Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo, da Secretaria da Cultura, do Governo do Estado do Ceará, cujo projeto recebeu apoio da Lei estadual de incentivo à cultura nº. 12.464, de 29 de junho de 1995. Foi produzido por Joelma Ramos e Isabela Veras, com roteiro de Márcio Ramos. É um curta-metragem de animação gráfica, em que os personagens são bem verossímeis, pois assumem formas físicas bastante semelhantes às das pessoas dos papéis representados. Embora já tenha nove anos de produção, a história é atual uma vez que revela, com arte, a perpetuação do analfabetismo, ainda vivenciada por muitos nordestinos.

(5) O cenário é formado por um casebre e um grande terreiro cercado de tábuas de madeira. A vegetação do entorno é praticamente inexistente, há apenas uma árvore no quintal. O sol forte, o solo árido e a ausência de plantas revelam aspectos do sertão. O enredo é bastante simples. A história inicia-se focalizando um caderno, em que está escrito o nome “Maria José” repetidas vezes. Em seguida, a imagem vai se ampliando, de forma cadenciada, e vemos uma menina de, aproximadamente, sete anos de idade, que está, sozinha, aprendendo a escrever o seu nome. Para isso, debruça-se na janela da sala, usufruindo de seu peitoril como suporte para o caderno, e, também, da luz natural vinda do ambiente externo. O comportamento da criança mostra o quanto ela está absorta no desenvolvimento da escrita. De repente, sua mãe aproxima-se e a interpela de forma rude, ordenando que pare de “perder tempo desenhando o nome” e “vá para fora arranjar o que fazer”. A menina obedece, corre para o terreiro e bombeia manualmente a água da cisterna. À medida que ela transporta a água e realiza o trabalho doméstico nesse terreiro, vai passando cenas das fases de sua vida – como menina – como moça – como dona de casa que tem a primeira gravidez, a segunda gravidez, a terceira gravidez, as outras gravidezes – como mãe que acolhe seus oito filhos que chegam em casa e a cumprimentam – a nona gravidez. As cenas da lida no terreiro apenas cessam quando Maria José, já idosa, lembra-se de ir ao encontro de sua filha Maria de Lurdes, na casa. Neste momento, a mãe aproxima-se da menina que estava aprendendo a escrever, num caderno, amparada no peitoril da janela. Maria José interpela a menina exatamente como sua mãe fizera com ela, na cena do início do filme. A criança obedece e corre para o terreiro para cuidar dos afazeres domésticos. O foco da imagem volta-se para dentro da casa, onde é possível ver a realização de um velório, provavelmente do marido, com os filhos em volta. Em seguida, vemos imagens do caderno de Maria de Lurdes, que é o mesmo que sua mãe usou quando criança. Inusitadamente, o vento vai passando as páginas usadas deste caderno e, então, podemos ver que ele teve outras donas, pois contém os registros cursivos dos nomes de outras Marias: Maria Aparecida, Maria de Fátima, Maria das Dores, Maria da Conceição, Maria do Carmo. O filme encerra-se com a expressão “Vida Maria”.

(6) O filme é encantador desde o primeiro momento. As cenas são cadenciadas e evidenciam passagens significativas da vida da protagonista. Detalhes como as mãos infantis em cima do caderno, a expressão do olhar da menina no exercício da escrita, a forma como delineia as letras revelam os sentimentos e as expectativas da personagem, quando criança. Logo na primeira cena, a ingenuidade, a esperança e a delicadeza da menina é contrastada com a dureza e a forma rude com que a mãe a trata. Há uma pormenorização do estudo diante dos afazeres domésticos que, ao contrário dos signos, constituem-se no concreto e cobram uma solução imediata. A menina se vê obrigada a abandonar o caderno, privilegiando outras contingências da vida. No cenário totalmente árido do sertão, distante das cidades, o estudo deixa de ter um sentido relevante, para ser apenas um luxo de quem “não tem o que fazer”. A falta de uma escola próxima e efetiva, e, também, o aspecto cultural, a tradição, restringem o desenvolvimento pleno das mulheres nordestinas que, ainda crianças, são alijadas do direito à Educação. A distância dessas brasileiras em relação às outras, revela-se além da geografia, ela é, também, social, cultural. A criança do sertão nordestino está imersa numa história que perpassa gerações e perpetua a ignorância, num Brasil em que a educação ainda não é para todos. Maria de Lurdes, como sua mãe Maria José, como sua avó Maria Aparecida, como sua bisavó Maria de Fátima, como sua tataravó Maria das Dores e outras tantas Marias das famílias nordestinas realizam práticas seculares, alheias à possibilidade de desenvolvimento e de liberdade que o estudo deve proporcionar. Assim, elas ficam, também, entregues aos mandos de uma cultura machista que aniquila mínimas condições de autonomia, de trazerem a sua vida em suas mãos. Nessa perspectiva, o filme Vida Maria surpreende pela perspicácia em denunciar as tramas desse contexto que torna essas meninas em, apenas, mais um número nas estatísticas do analfabetismo brasileiro, colocando o Brasil no lugar negligente em que ele realmente está: numa posição vexatória no ranking mundial de educação.

(7) Márcia Regina Pires.

 

Sabemos que diferentes tipologias textuais podem fazer parte de um único texto para que ele cumpra a intencionalidade do autor e as especificidades do gênero textual. Considerando esse conhecimento e analisando a resenha acima, julgue as afirmativas a seguir.

 

I. O trecho 3 é predominantemente descritivo expositivo, haja vista que trata da contextualização da obra, isto é, situa o aspecto sociocultural, ressaltando a temática.

 

II. O trecho 4 é predominantemente descritivo expositivo, uma vez que neste momento a autora apresenta a obra, situando o gênero, o autor e o tema.

 

III. O trecho 5 é predominantemente narrativo, pois apresenta um breve resumo do enredo, ressaltando a história e a personagem principal.

 

IV. O trecho 6 é predominantemente dissertativo argumentativo, pois a autora da resenha tece um comentário crítico acerca do filme, bem como da temática da obra.

 

Assinale a alternativa que contém as afirmativas corretas:




  • III e IV

  • I e II

  • I e IV

  • I, II, III e IV

  • I, II e III