ESTUDOS GRAMATICAIS


Para falar e escrever bem, é preciso, além de conhecer o padrão formal da Língua Portuguesa, saber adequar o uso da linguagem ao contexto discursivo. Para exemplificar este fato, leia o texto “Aí, galera”, de Luís Fernando Veríssimo. No texto, o autor brinca com situações de discurso oral que fogem à expectativa do ouvinte.

 

Aí, galera!

 

Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por exemplo, você pode imaginar um jogador de futebol dizendo “estereotipação”? E, no entanto, por que não?

– Aí, campeão. Uma palavrinha pra galera.

–  Minha saudação aos aficionados do clube e aos demais esportistas, aqui presentes ou no recesso dos seus lares.

–  Como é?

– Aí, galera.

–  Quais são as instruções do técnico?

–  Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de meios e extrema objetivida-de, valendo-nos da desestruturação momentânea do sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da ação.

-Ahn?

–  É pra dividir no meio e ir pra cima pra pega eles sem calça.

–  Certo. Você quer dizer mais alguma coisa?

–  Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas?

–  Pode.

–  Uma saudação para a minha progenitora.

–  Como é?

– Alo, mamãe!

– Estou vendo que você é um, um…

–  Um jogador que confunde o entrevistador, pois não corresponde à expectativa de que o atleta seja um ser algo primitivo com dificuldade de expressão e assim sabota a estereotipação?

–  Estereoquê?

–  Um chato?

–  Isso.

 

Correio Braziliense, 13/5/1998.

 

O texto retrata duas situações relacionadas que fogem à expectativa do público. São elas:




  • A linguagem muito formal do jogador, inadequada à situação da entrevista, e um jogador que fala, com desenvoltura, de modo muito rebuscado.

  • O desconhecimento, por parte do entrevistador, da palavra “estereotipação”, e a fala do jogador em “é pra dividir no meio e ir pra cima pra pega eles sem calça”.

  • O fato de os jogadores de futebol serem vítimas de estereotipação e o jogador entrevistado não corresponder ao estereótipo.

  • A saudação do jogador aos fãs do clube, no início da entrevista, e a saudação final dirigida à sua mãe.

  • O uso da expressão “galera”, por parte do entrevistador, e da expressão “progenitora”, por parte do jogador.