LITERATURA PORTUGUESA


Num bairro moderno

Dez horas da manhã; os transparentes

Matizam uma casa apalaçada; Pelos jardins estancam-se os

nascentes, E fere a vista, com brancuras

quentes, A larga rua macadamizada.

Rez-de-chaussée repousam sossegados,

Abriram-se, nalguns, as persianas,

E dum ou doutro, em quartos estucados,

Ou entre a rama dos papéis pintados,

Reluzem, num almôço, as porcelanas. Como é saudável ter o seu

conchêgo, E sua vida fácil! Eu descia,

Sem muita pressa, para o meu emprêgo,

Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexia.

(...)

A leitura dessas estrofes de Cesário Verde permite a seguinte análise:




  • a objetividade desse poeta é fotográfica, por isso mesmo altamente comprometida com o ideário positivista em voga no tempo.

  • a subjetividade do “eu lírico” é permeada por profunda emoção – um resquício da estética romântica que entra em contradição com o ideário realista que o poeta abraçou.

  • na abordagem do real, o “eu lírico” comporta-se como um observador frio e impessoal das pessoas e das coisas, conforme determinavam os postulados do Realismo.

  • a postura assumida é eminentemente expressionista, na medida em que esse poeta deforma o real, seguindo os pressupostos do ideário naturalista.

  • a subjetividade desse poeta emana diretamente da observação do real, que lhe ativa as sensações, levando-o a promover juízos de valor.