LINGUÍSTICA TEXTUAL: COESÃO E COERÊNCIA
Leia atentamente o texto a seguir.
A língua-problema
Duas moças conversavam no ônibus:
__Tou com um “poblema”.
__ Peraí, um “poblema” ou um “pobrema”?
__ Não é a mesma coisa?
__ Poblema é de matemática, ensinam na escola. Pobrema é em casa. O marido bebe, bate na gente...
Contaram-me isso como fato verídico, mas tem jeito de piada. Pouco importa. No diálogo, nada inverossímil, alguém verá o retrato tragicômico de uma população iletrada.
Pode ser. Mas não é tudo. Há algo de genial na cena. Perspicácia e sutileza se juntam, na contramão da gramática, para expressar fino discernimento. A segunda moça nos diz, a seu modo, que questões abstratas do mundo culto (poblemas) nada têm a ver com dramas cotidianos (pobremas). Exigem, portanto, palavras diferentes. Seria generalização grosseira colocar esses conceitos sob o mesmo guarda-chuva, a palavra oficial, “problema”.
A intimidade com a vida real revela nuances e, claro, estimula a diversidade semântica. Povos berberes, com sua imemorial convivência com o camelo, dão nomes distintos a cada pata do animal. É assim que funciona. Pouco importa se essa diversidade semântica, de início, se expresse por infrações à gramática. Deturpações e corruptelas com o tempo são assimiladas, se fizerem sentido.
Peraí, “poblema” ou “pobrema”?
Eis a questão. Se aprendêssemos a perceber a diferença, talvez fôssemos mais felizes. Muito do que nos atormenta existe só no plano imaginário, como era, para os homens da Idade Média, a iminência do fim do mundo. Um mero poblema. Sem lastro no cotidiano.
A diferença entre “poblema” e “pobrema” talvez seja um dia definida no Houaiss ou no Aurélio. Se e quando o vocabulário-raiz, “problema”, cair em desuso. Será lembrado em afetados textos jurídicos e na bula de pomada Minâncora. Pode acontecer. Menos provável será que os burocratas da língua desistam de unificar o português de gente de diferentes climas e fusos horários, nas mais diferentes situações. Reforma boa, mesmo, não é a ortográfica, mas a que começa no bairro. Pena que não prestem atenção no que as moças dizem. Esse é o “pobrema”.
(Fonte: MODERNELL, R. Revista Língua Portuguesa – Ano 4, no. 49, novembro de 2009, p. 53. Texto adaptado. Disponível em:
Ao realizarem uma abordagem de conceitos gerais de língua e sociedade, variação e conservação linguística, Celso Cunha e Lindley Cintra enfatizam que
“Condicionada de forma consistente dentro de cada grupo social e parte integrante da competência linguística dos seus membros, a variação, é, pois, inerente ao sistema da língua e ocorre em todos os níveis: fonético, fonológico, morfológico, sintático, etc. E essa multiplicidade de realizações do sistema em nada prejudica as suas condições funcionais.”
Fonte: CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, p.3.
Com base nesse fragmento e considerando as ideias presentes no texto, infere-se, CORRETAMENTE, que: